Vou reproduzir aquí um texto de José Carlos Ávila que se encaixa perfeitamente até os dias de hoje.
São fatos reais ocorridos nos idos do século XIX.
A "Nova Escola" citada no texto, nada mais é do que a velha escola de La Guériniére de 1700!
É o que eu chamo de equitação de resultado, porque até hoje nenhuma outra mostrou maior eficácia.
Este texto mostra claramente que na relação homem-cavalo o que manda é a equitação e não o cavalo! É mais fácil culparmos os cavalos do que corrigirmos nossas falhas, para isso temos que ter humildade e paciência - coisa que eu menos vejo por aí....
Façam boa leitura!
Paris, por volta de 1840, conviveu com o que ficou conhecido, na França equestre, como a “controvérsia do século.”
De um lado, d’auristas, discípulos e seguidores de Antoine Cartier D’Aure, aristocrata mais conhecido como Conde D’Aure, opondo-se aos baucheristas, alunos e partidários de François Baucher, de origem mais humilde, criador de um “Novo Método” e que, para sustento próprio, dava demonstrações de equitação no Circo, frequentado pela nobreza da época.
D’Aure preconizava e praticava a equitação “ao ar livre” e foi, sem dúvida, o indutor do que hoje chamamos show jumping, enquanto que Baucher defendia e ensinava uma equitação em recintos fechados, nos picadeiros – a “Alta Escola”.
Conhecidos os opositores, vamos à história do cavalo do título:
Lord Seymour tinha, em suas cocheiras, um potro puro-sangue de 3 anos chamado Géricault, acuado e violento, a tal ponto que ninguém ficava em cima dele quando se defendia. Seu proprietário divulgou que oferecia o cavalo ao cavaleiro que fosse capaz de fazer a volta do Bosque de Boulogne sobre o seu dorso.
A proposta superexcitou a rivalidade entre os contendores. O primeiro a apresentar-se foi o visconde de Tournon, considerado o mais vigoroso aluno de D’Aure, que malogrou na sua tentativa. Como representante da “Nova Escola”, o conde Lancosme-Brèves tentou a prova e conseguiu. Os baucheristas festejaram ruidosamente, mas seus adversários alertaram, com toda razão, que o vencedor era um trânsfuga da velha escola, recentemente convertido à nova. E acrescentaram que, enquanto Tournon tentara sozinho, sem nenhuma ajuda, o conde fora rodeado por um grupo numeroso de cavaleiros amigos, cercando Géricault, logo após montado, apertando-o, empurrando-o para a frente, impedindo-o das reações que tão bem sabia usar.
Lord Seymour, sempre um grande “gozador”, mandou Géricault para o senhor de Brèves, que, publicamente, homenageou o seu Mestre, oferecendo-lhe o cavalo. Baucher, aceitando-o, anunciou que pretendia apresentá-lo no Circo, “dentro de, o mais tardar, seis semanas.” Desta vez, o valor do Novo Método e o renome do seu autor entrariam, realmente, em jogo.
O adestramento de Géricault apresentou, de fato, sérias dificuldades? Ninguém soube.
O cavalo era acuado e violento, mas não era mau, nem medroso. É pouco provável que ele tenha se rendido sem qualquer luta, depois da longa série de vitórias que havia imposto a seus sucessivos cavaleiros. Todavia, o tato e a destreza metódica do Mestre desempenharam, sem nenhuma dúvida, papel muito importante no resultado alcançado.
Soube-se, pelo pessoal do manège, que ele “trabalhava” Géricault várias vezes por dia: bem cedo, pela manhã e bem tarde, à noite; que ele mesmo o embridava e o ensilhava, sem admitir a presença de nenhum ajudante; e que, próximo do fim do adestramento, ele o havia montado, várias vezes, na pista do Circo, com os lustres acesos e ao som da orquestra.
Claro, os boatos mais extravagantes corriam no meio do público, sobretudo, no meio dos adversários, insinuando-se que Baucher fascinava Géricault, usando processos misteriosos e que o entorpecia com drogas soporíferas, e que também o privava de alimentação, de água e de sono.
Baucher deixava-os falar e prosseguia no seu trabalho.
Na noite de gala, o Circo estava repleto. A coorte dos fiéis a Baucher se apertava nas arquibancadas, destacando-se, dentre eles, o general Oudinot, o pintor Delacroix e o escritor Théophile Gautier. Frente a eles, estavam os chamados “Conservadores”, os antigos de Versalhes e do Manège Real de Paris. Estavam alinhados atrás de D’Aure, tendo a seu lado o visconde de Tournon, que ainda sentia suas quedas, e se apoiava numa bengala.
Enfim, Baucher fez sua entrada, num silêncio absoluto. Géricault avançou num passo um pouco precipitado, direito e firme, até o meio da pista, onde Baucher o manteve imóvel, durante um longo alto, de frente para o camarote dos Orléans, saudando a assistência, com seu bicórnio de plumas de galo.
Uma tempestade de aplausos, então, explodiu, iniciando a orquestra uma marcha guerreira.
Géricault tomou, obediente, a pista, demonstrando mais segurança do que receio e sem a menor tentativa de resistência. Baucher fê-lo executar, inicialmente, um trabalho simples, mas correto, e, pouco a pouco, Géricault distendeu suas andaduras, executou voltas, apoiou, sem se inquietar com o público ou com a música.
Altos curtos e partidas instantâneas interrompiam e restabeleciam a reprise ao galope, fluente e depois cadenciado, para a execução das piruetas. Duas mudanças de mão com mudanças de pé, executadas em galope amplo terminariam o trabalho. Para finalizar, Gericault fez, no centro da pista, um alto fulgurante, Baucher saudando confiante.
Uma ovação delirante acompanhou sua saída, executada com um recuar a passo contado, de majestosa amplitude.
Todos os fiéis admiradores do Mestre pareciam tomados de frenesi. Do outro lado, nas fileiras subitamente desfalcadas dos d’auristas, o visconde de Tournon, bengala sob o braço, aplaudia sem cessar, enquanto D’Aure imitava-o, discretamente.
Estava confirmado o sucesso da “Nova Escola”.
(Extraído do livro “Baucher et son École” , do General Albert Decarpentry)
* José Carlos Ávila está em atividade hípica ministrando aulas e montando no Clube Hípico de Santo Amaro
sábado, 31 de outubro de 2009
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